terça-feira, 27 de julho de 2010

Um dia desses - Lado B

Naquela manhã eu acordei atrasado, com um telefonema de um colega me avisando que estávamos com problemas. Até onde eu podia recordar, já estava de férias havia dois dias, mas o telefonema era justo para lembrar que havíamos esquecido que naquela manhã haveria uma última prova, valendo toda a nota daquela última disciplina. Que disciplina? Eu não fazia ideia quando me levantei, mas o tom de urgência no telefone e uma vaga lembrança de que realmente havia faltado algum compromisso acadêmico pendente me fizeram ir o mais rápido possível para a tal prova.

No que parecia apenas um instante depois, lá estava eu na sala de aula, esperando o exame começar. Todas as quarenta ou mais carteiras estavam ocupadas por pessoas desconhecidas, mas que eram de certa forma familiares; com exceção dos meus colegas de turma, que estavam sentados em um canto da sala onde eu havia encontrado um lugar vago também. Eu ainda não fazia ideia de que disciplina era aquela, ou sobre o que seria a tal prova. Perguntei aos meus colegas, mas nenhum deles sabia. Os outros estudantes desconhecidos pareciam calmos, confiantes e completamente indiferentes ao nosso desespero, e todos estavam calados.

A professora, que aparentava ser do tipo carrasco, olhava com desconfiança para os alunos enquanto entregava a prova (uma única folha com pouca coisa escrita pelo que eu podia ver de longe) e ameaçava punições severas caso descobrisse algum aluno tentando trapacear. Ao entregar as provas para mim e meus colegas, olhava com desaprovação para mim, como se soubesse muito bem que eu não fazia ideia de quem ela era ou o que eu estava fazendo ali. Quando terminou de entregar nossas provas, as últimas, reforçou que estaria atenta e ordenou que cada um se concentrasse em sua prova, mais uma vez olhando na direção dos meus colegas. Finalmente, anunciou que poderíamos começar.

Naquele momento me ocorreu que, independente do que fosse, ao olhar as questões da prova eu seria pelo menos capaz de determinar de que assunto se tratava, e com certeza poderia entender o que estava acontecendo. A minha ansiedade já estava diminuindo quando ouvi um colega praguejar em voz baixa, “Que porra é essa?”. Fiquei curioso, e resolvi ler a prova. Ao virar a folha, vi uma única questão com várias linhas em branco logo abaixo. A questão era a seguinte:

“1) Utilizando as técnicas aprendidas nesta disciplina, faça uma análise do problema dos animais no trânsito (Valor: 10,0)”

Minhas esperanças foram por água abaixo quando terminei de ler, e fiquei desesperado novamente. Que raios de disciplina era essa? Mas o que me deixou mais confuso ainda é que eu me lembrava vagamente da voz da professora falando algo sobre animais no trânsito. Ouvi novamente a voz da professora, alertando para cada um cuidar apenas de sua própria prova, enquanto meus colegas, tão confusos quanto eu, olhavam uns para os outros tentando entender o que se passava. Todos os outros alunos trabalhavam concentradamente. O desespero me impedia de pensar com clareza, e mesmo sabendo que havia algo muito errado, eu não conseguia descobrir o que era.

Tentei me acalmar e procurar uma lógica no que estava acontecendo. Naquele semestre, eu só me recordava de cursar uma disciplina das humanas, gestão de pessoas, e eu havia passado com uma boa nota, sem precisar de exame. Ouvi novamente a voz da professora e pela primeira vez a reconheci. Era justamente a professora de gestão, apenas uma versão mais sombria. Olhei novamente para os alunos desconhecidos à minha volta, e notei que eram pessoas que estudavam na minha faculdade, mas que eu não conhecia, e todos devolveram o olhar. Olhei para a prova novamente e pensei um pouco na questão. O problema não era o absurdo dos animais no trânsito, mas sim o fato de ela justamente não dar nenhuma informação que eu precisava. A palavra sonho se formou na minha cabeça pela primeira vez desde que eu havia acordado para fazer a tal prova, e tudo fez bastante sentido quando eu finalmente notei que não estava na sala de aula, e sim na minha cama.

Nesse momento, cometi um erro bobo. Deveria ter levantado, ido ao banheiro, tomado um copo de água, ou simplesmente virado para o outro lado e pensado em alguma outra coisa. Ao invés disso, comecei a rever o sonho, para não me esquecer dos detalhes posteriormente. Acordar atrasado. A sala de aula, a professora e os colegas. A questão ridícula. Tudo ainda parecia muito real, muito vívido. A disciplina, que eu não lembrava o nome. Como era mesmo? Afinal, era mesmo um sonho ou eu realmente estava atrasado, precisava levantar imeadiatamente para não perder a prova? E essa questão, como iria responder uma coisa dessas, se eu nem fazia ideia do que se tratava? Antes que eu percebesse, o desespero todo voltou, e eu fui arrastado de volta para o sonho, tentando resolver aquela questão absurda até finalmente amanhecer.

...

Nunca fui muito bom com essa coisa de sonhos. Raramente consigo me lembrar deles, e essa foi apenas a segunda ou terceira vez em que lembro de ter ficado consciente de estar sonhando antes de acordar. Já me disseram que depois de ficar consciente de estar sonhando, é possível controlar o que acontece nele, mas eu definitivamente não levo jeito pra isso. Acho que alguma parte do meu subconsciente sente algum prazer macabro em pregar peças em mim mesmo enquanto estou dormindo.

Um comentário:

buca disse...

o problema são as antas no trânsito, era só escrever isso. hahahahaha.
você é igualzinho contando uma história pessoalmente ou por escrito, sabia? me dá um nervoso nos dois casos! hahahahahaha acho que você devia virar roteirista de filme de suspense =P
te amo muito meu lindo.