segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Memórias de infância - Lado B

Era uma situação complicada. De onde eu estava escondido não dava para avistar nenhum perigo, mas toda cautela teria sido pouca. Eles provavelmente estavam escondidos também, esperando o momento em que saísse do lugar seguro onde eu me encontrava, ou que eu cometesse algum erro, e era justamente por isso que eu estava pensando tanto antes de agir. Naquele momento eu sentia aquele friozinho na barriga de antes de fazer algo arriscado, talvez misturado com um pouco de medo, afinal eu sabia quais seriam as consequências caso falhasse, mas sabia também que deixar de tentar não era uma opção, os outros dependiam de mim.

Além disso, o tempo era curto, e eu não podia mais desperdiçar. Subi na mureta de tijolos e olhei mais uma vez, com a vã esperança de encontrar algum inimigo que estivesse distraído o suficiente para ser enganado, mas não havia nenhum. Várias pessoas caminhavam distraídas pelo pátio de concreto, mais à direita havia uma pequena quadra onde se jogava futebol, alguns comiam seus lanches sentados nas escadarias, e o resto apenas perambulava. O burburinho era rotineiro naquela hora do dia, estava quente, e do resto não me recordo muito bem. Não é por menos, eu estava concentrado, tinha adrenalina no sangue, e resolvi tentar antes que fosse tarde demais.

Saí correndo no meio da multidão, desviando dela com facilidade. Ninguém deu bola pro fato de eu estar em disparada no meio de todos, esse tipo de coisa acontecia todo o tempo, mais precisamente todo dia. Segui em disparada até faltar uns 20 metros para alcançar meu objetivo, uma parede alaranjada, mas quando me dei conta já havia 2 correndo atrás de mim, e um terceiro que estava escondido se colocou entre eu e a minha parede. Certamente já não havia como sair bem sucedido, mas fugir até um local seguro ainda era melhor do que ser apanhado. Ponderei rapidamente sobre minhas opções de fuga e virei para a direita, onde não havia, aparentemente, nenhum perseguidor. Desci as escadas e virei novamente à direita, entrando num corredor estreito, e logo em frente havia uma bifurcação em T, na qual optei por seguir em frente para não perder velocidade. Ao passar por ele, vejo que um dos perseguidores vinha por ali, e se bate contra a parade ao me deixar passar com apenas alguns instantes de folga, atrasando o outro que vinha logo atrás de mim. Segui para a segunda bifurcação em T, mas dessa vez cheguei exatamente junto com o adversário que vinha por ali, e nenhum de nós conseguiu parar a tempo. De alguma forma, lembro que consegui, antes de cair no chão, bater nos dois lados opostos do corredor. Assim que abri os olhos depois da queda, vi que no final dele estava o Filipe, o único garoto da minha turma que definitivamente corria mais rápido que eu, então provavelmente não ia dar certo de qualquer jeito. Uma professora veio ver o que tinha acontecido, e eu acabei na enfermaria, com algum ferimento superficial. Era um final comum de recreio.

Não tenho certeza, acho que isso foi na terceira série. Só lembro que naquela época o pega-pega no recreio era obrigatório. E tinha regras complexas: divido em dois times, havia uma rotação dos times durante a semana, havia vidas, e quem perdesse em um time, ia para o outro, algo assim. Ir pra enfermaria também era comum, com um joelho ou cotovelo ralado, ou ambos, mas nunca me machuquei além disso na escola.

Eu estava tentando pensar em alguma lembrança legal da infância para escrever aqui, e descobri que não lembro de tantas coisas assim, mas também descobri que lembro de muito mais do que eu tinha imaginado a princípio. Talvez tentar fazer retrospectivas nas memórias antigas seja bom, às vezes tenho medo de que esquecerei de certas coisas se elas ficarem guardadas por muito tempo. Por outro lado, cada vez que puxo o arquivo e trago uma lembrança para a memória principal, ela já sofre alterações no processo, e o que é guardado de volta é sempre uma mistura da lembrança anterior com a interpretação do momento, e não há o que se possa fazer quanto a isso. Exceto, talvez, registrar em algum lugar. Talvez eu faça um blog pra essas coisas.

5 comentários:

buca disse...

o próprio ato de registrar também altera uma lembrança. o passado não está fixo em lugar nenhum, nós o construímos com o olhar de hoje. talvez por isso algumas coisas que na época foram mais doloridas (literalmente xD) hoje se tornam engraçadas.
mas que havia alguém que corria mais rápido que você é algo inédito pra mim!

amei o texto, amo você.

Anônimo disse...

Já da pra ver quem manda na casa. Sobrou o lado B pra Lucas...

Abraços desse seguidor anônimo.

Ass: Anônimo :D

R.G. Gasoto disse...

Pooo, passei o dia inteiro tentando lembrar de algo marcante da minha infância. O que melhor lembro é dos inúmeros esconde-esconde noturnos na casa da minha avó, eu e meus primos, e o pessoal do condomínio. Era tão divertido! hahahaha

Anônimo disse...

Ué... cadê os posts?

Unknown disse...

Não deu pra ler, mas, enfim, só pra mandar aquele abraço. :D


Rafao